A
Vulcano Ultra Trail (VUT 2015) é uma corrida em trilha realizada na região de
Puerto Varas, com largada e chegada na área de camping da praia de Petrohue. A
corrida aconteceu dentro do Parque Nacional Vicente Perez Rosales, onde está
situado o imponente vulcão Osorno. Mais de 1.500 atletas estiveram presentes na
edição de 2015, que contou com cinco distâncias: 13, 21, 42, 73 e 100 km.
Nos
100 km (Ultra Terra), o grande desafio da prova é contornar o vulcão Osorno ao
longo de trilhas repletas de areia, subidas íngremes, bosques exuberantes e
florestas de tirar o fôlego. A prova se resume em três grandes subidas com
desnível total de aproximadamente 4.200 m. Um verdadeiro desafio para o corpo e
mente. Ao todo são nove postos (Puesto de Asistencia y Seguridad - PAS)
distribuídos ao longo do percurso.
Mapa da prova.
Fonte: VUT 2015.
O ponto mais alto da prova está localizado a 1.431 m de altitude. A inclinação média do percurso é de 8%, com setores que atingem 34% em subidas e 33% em descidas. Devido a grande presença de areia nas trilhas, as subidas se tornaram ainda mais difíceis e as descidas extremamente técnicas, gerando um grande desgaste físico.
Perfil altimétrico.
Fonte: VUT 2015.
Para se chegar a Puerto Varas a melhor opção para os brasileiros é a partir de Santiago voando até Puerto Montt, e em seguida se deslocar por via terrestre até a cidade sede da prova que fica a 25 km do aeroporto. Puerto Varas é uma cidade pequena - com cerca de 40.000 habitantes - situada às margens do Lago Llanquihue, o segundo maior do Chile. De Puerto Varas até o local da largada são aproximadamente 60 km por estradas asfaltadas e de terra.
Cheguei
a Puerto Varas na quinta-feira a tarde e a cidade já estava tomada por atletas
vindos de vários países, principalmente Argentina e Brasil. Pelas ruas tênis,
meias e mochilas coloriam a cidade e anunciavam a festa. Fiz meu check-in no
belíssimo hotel Cabañas Del Lago e me dirigi para o Ginásio Municipal, onde
estava sendo realizado o credenciamento dos atletas e a feira de produtos. Com
o kit na mão procurei um restaurante na cidade para comer massa e iniciar meu
descanso já que a largada seria no sábado a meia noite. Junto com um casal de
amigos fomos ao restaurante El Retorno começar o “carregamento” de
carboidratos.
Hotel Cabañas Del Lago.
Fonte: Hotel Cabañas Del Lago.
Na
sexta-feira o principal objetivo era descansar o máximo possível e preparar os
equipamentos. Depois de um excelente café da manhã, voltei a dormir até próximo
da hora do almoço onde continuei com o “carregamento” de carboidratos. Dessa
vez, optei por comer no hotel mesmo e aproveitar à tarde para separar todo o
material da prova e dormir um pouco mais já que a largada seria a meia-noite.
As
18h voltei ao Ginásio Municipal para o congresso técnico. Confesso que não
achei uma boa escolha por parte da organização à realização da palestra seis horas
antes da largada dos 100 km. O Ginásio estava completamente tomado e a energia
das pessoas era grande e contagiante. O diretor da prova fez uma apresentação
rápida, começando pelos 100 km para liberar os corredores que em pouco tempo já
estariam tomando o ônibus com destino a Petrohue.
Fonte: VUT 2015.
Depois
do congresso técnico fiz minha última refeição e fui para o hotel me preparar e
pegar todos os equipamentos, pois às 22h saia do centro da cidade o ônibus que
nos levaria até o camping da praia de Petrohue, onde aconteceria a largada da
prova. Com tudo pronto retornei ao centro da cidade e tomei o ônibus juntamente
com os demais atletas. A viagem durou aproximadamente 1h. Durante esse período
não consegui dormi tamanha era a ansiedade. Meus pensamentos estavam longe
buscando energia, foco e concentração para enfrentar o desafio que se
aproximava.
Já
no local de largada, verifiquei os equipamentos e fiz os últimos ajustes antes
de sermos “encaixotados”. Não tinha mais o que fazer senão relaxar e
descontrair um pouco batendo papo com outros corredores. O céu estava
completamente estrelado, a temperatura agradável e de acordo com a previsão do
tempo seria uma noite fresca e com o nascer do sol a temperatura subiria muito.
Pouco
antes da meia-noite fomos conduzidos ao local de largada. Calmamente me
posicionei próximo da faixa e fiz minha última oração pedindo que os espíritos
da montanha me conduzissem e me guiassem nos momentos difíceis que certamente
iria enfrentar naquele dia. Últimas fotos da organização, contagem regressiva e
finalmente foi dado o sinal de largada.
Fonte: VUT 2015.
Larguei
de maneira confortável no segundo grupo e logo no início já havia uma subida de
areia em direção ao primeiro cume. A areia estava solta o que dificultava muito
a corrida e alternar com rápidas caminhadas era sem dúvida a melhor opção. Foi
um momento em que muitos caíram na real do que seria a VUT 2015.
Fonte: VUT 2015.
À
medida que subíamos era possível ver o rastro de luz dos que estavam atrás. Com
o aumento da inclinação e da dificuldade técnica, o ritmo caia ainda mais. Era
preciso paciência e calma para seguir em frente afinal de contas, o dia só
estava começando.
Com
aproximadamente 9 km atingi o ponto mais alto da primeira grande subida. Era
hora de soltar as pernas em uma longa descida por trechos técnicos onde havia
muita areia solta que chegava a metade da canela. Foi bem divertido descer
escorregando aquela montanha de areia. Como era quase duas da manhã a atenção
era redobrada para não cair, torcer os pés e errar o caminho.
Na base da montanha encontrava-se
o primeiro posto (PAS Aluvión), localizado no km 15. Ao chegar ao posto minha
primeira providência foi sentar no chão e retirar o tênis. Estava cheio de
areia. Embora estivesse utilizando polainas, as mesmas não foram capazes de
conter aquela areia toda. Recoloquei o tênis rapidamente, enchi as garrafas,
comi algumas frutas secas e segui em frente.
O
trecho seguinte era um pouco mais plano com subidas e descidas curtas.
Aproveitei para aumentar um pouco o ritmo e seguir em frente. Estava correndo
junto com um argentino e revezávamos na frente buscando manter o foco e sempre atentos
as marcações. Como ainda era madrugada não foi possível contemplar as belezas
do Salto de Petrohue.
No
km 21 chegamos ao segundo posto (PAS Solitario). Reposição rápida de líquidos e
comida, e seguimos em frente adentrando aos bosques que estavam repletos de
areia. O esforço era grande para seguir correndo e quando observava o relógio
percebia que avançava muito pouco. Uma corrida “travada”, repleta de obstáculos
e extremamente técnica. Procurei me distrair e não pensar na distância que
ainda teria pela frente. Como já havia enfrentado 160 km de dunas nos Lençóis
Maranhenses em 2012, sabia que aquilo poderia ser minha motivação para seguir
correndo naquela areia solta.
Com
subidas e descidas curtas fui avançando em direção ao terceiro posto (PAS
Volcan) localizado no km 27. Já era quase 4h da manhã quando finalmente cheguei
ao posto. Aproveitei para retirar novamente a areia acumulada no tênis,
hidratar e comer bastante. Daquele ponto em diante sabia que iniciaria a subida
mais dura da prova e que provavelmente levaria de 3 a 4 horas até o próximo
posto.
PAS Volcan – Todos retirando areia do tênis.
Fonte: VUT 2015.
Deixei
o posto bem animado e segui firme mantendo um bom ritmo nas descidas e nos
trechos planos, alternando com caminhada nas subidas. Aos poucos a inclinação
foi se tornando cada vez maior e não me restou alternativa senão caminhar. Aos
poucos o céu ia clareando e já era possível ver o imponente vulcão Osorno de
perto. Por alguns minutos parei para contemplar tamanha beleza. Por volta das
6h o sol começou a bater no cume do vulcão gerando uma coloração avermelhada
que me fazia acreditar que cada passo, cada suspiro e cada dor era o preço para
estar ali apreciando aquela paisagem.
A
subida parecia interminável. Olhava para cima e via a trilha ao longe
serpenteando aquele maravilhoso vulcão. Respirava fundo e seguia mais um pouco
buscando manter o ritmo e a força necessária para continuar. Repetia a frase:
“A única maneira de subir é subindo. A única maneira de subir é subindo.” E
assim continuei morro acima.
Vulcão Osorno.
Fonte: VUT 2015.
Vulcão Osorno.
Fonte: VUT 2015.
Depois
de quase 4h de subida cheguei ao quarto posto (PAS Tesky), localizado no km 38.
A primeira coisa que fiz foi sentar e retirar a areia novamente acumulada no
tênis. Em seguida entrei no abrigo para me hidratar e repor as energias. Depois
de quase 8 horas de prova estava com fome e uma sopa quente foi uma excelente
opção para esquentar o corpo e satisfazer a necessidade de sal. Garrafas
novamente cheias era hora se seguir em frente. Ainda faltavam 2 km de subidas
para finalmente começar a descida rumo ao outro lado do vulcão.
Quando finalmente alcancei o cume, olhei para baixo e percebi que a descida seria longa e árdua. Assim como subir, descer também exige muito da musculatura e em alguns casos, chega a ser mais difícil. Depois de tantas horas de subida e caminhada as pernas estavam completamente “travadas”. Comecei a correr devagar e fui encaixando o ritmo aos pouco até que a corrida voltou a “fluir”.
O trecho inicial da descida era muito técnico com pedras, areia e árvores pelo chão. Aumentei a concentração e foquei nas marcações e no terreno para evitar quedas e principalmente torções. Depois de aproximadamente 5 km a descida foi se tornando mais suave e ingressamos na floresta com enormes árvores e flores espalhadas pelo chão.
Fonte: VUT 2015.
À medida
que descia o calor aumentava e as áreas de florestas e bosques eram um
verdadeiro refúgio e alívio para o corpo. Aumentei a ingestão de líquidos, pois
seria crucial para a segunda metade da prova. Depois de 10 km de descida, o
percurso voltou a ser plano. Já estava quase chegando ao povoado de Cascada,
onde estava localizado um posto de apoio que definia a metade da prova.
Depois
de 52 km e mais de 9h de prova, cheguei finalmente ao quinto posto (PAS
Cascada). Fui muito bem recebido pelos voluntários que imediatamente buscaram
minha sacola com os equipamentos reservas que havia enviado para este posto
antes da largada. Era o momento de fazer uma parada mais longa que nos postos
anteriores e me preparar para a segunda metade da corrida. Troquei a camisa por
uma mais fresca, retirei a areia do tênis e abasteci a mochila com comida
reserva. Aproveitei o tempo para tomar uma sopa e me alimentar bem afinal de
contas ainda faltavam muitos e muitos quilômetros até a chegada. Como estava
sentindo muitas dores nos joelhos, aproveitei que neste posto havia um
fisioterapeuta de plantão para que ele fizesse uma massagem e aplicasse um
analgésico no local. A dor aliviou um pouco após a sua intervenção.
PAS Cascada – Aliviando a dor nos joelhos.
Fonte: VUT 2015.
PAS Cascada – Sempre Coca-Cola.
Fonte: VUT 2015.
Depois de uma bela refeição, coloquei o fone de ouvido e sai do posto com total motivação para seguir em frente. Sabia que as dores nos joelhos voltariam, que o sofrimento seria grande e que acima de tudo precisaria de muita força mental para terminar a corrida. Em provas de longa distância você precisa estar preparado para momentos de alegria e tristeza. Os questionamentos virão, as “sereias” tentarão te levar para o fundo do mar a todo custo. É nessa hora que você precisa ser mais forte que tudo e seguir em frente. Custe o que custar.
PAS Cascada – Rumo a PAS Hacienda.
Fonte: VUT 2015.
Aproveitei o trecho de estradão e sem tantas subidas íngremes para correr o máximo possível. A segunda metade da prova tinha menos desnível que a primeira e era hora de recuperar um pouco de tempo. Atravessei algumas fazendas e depois de 5 km quilômetros entrei novamente nos bosques. O terreno tinha barro em alguns trechos e foi preciso até cruzar uma área alagada, deixando os pés completamente molhados. Aproveitei a água para me refrescar e diminuir a temperatura corporal.
Depois de aproximadamente 15 km
cheguei ao sexto posto (PAS Hacienda), localizado no km 66. Sentei calmamente
na cadeira e procurei me hidratar o máximo possível. O calor já estava
castigando neste momento e o mais importante era evitar a desidratação.
Conversei um pouco com o pessoal da organização, comi um pouco de chocolate e
segui em frente pelas trilhas do bosque.
PAS Hacienda.
Fonte: VUT 2015.
PAS Hacienda.
Fonte: VUT 2015.
Depois de 5 km de bosques e florestas comecei uma longa subida por uma estrada de terra. A inclinação era constante e suave possibilitando assim correr a maior parte desse trecho. A cada curva mais um longo trecho de subida. A paisagem havia mudado e à medida que subia ficava cada vez mais seco e árido. Não tinha nenhuma sombra ao longo da estrada e o sol castigava cada vez mais. Procurei manter a cabeça focada mas com o retorno das dores nos joelhos e aquela paisagem inóspita, estava cada vez mais difícil controlar a mente.
Ao
longe avistei o sétimo posto (PAS Picada), localizado no km 76. Parecia um
oásis naquele deserto de areia. Estava bastante cansado e um pouco nervoso
quando finalmente cheguei ao posto. Não havia cadeiras e preferi ficar de pé
enquanto trocava a camisa por uma mais fresca, me alimentava e tomava alguma
coisa. Enchi bem as garrafas de água pois até o próximo posto seria uma longa
jornada com muito calor.
PAS Picada.
Fonte: VUT 2015.
Sai
do posto um pouco abatido mas segui correndo por aquela estrada de terra. Ainda
restavam quase 5 km até iniciar a última subida longa da prova. Fui revezando
entre corrida e caminhada para não forçar muito os joelhos. O tempo parecia não
passar e o que era motivação se tornou uma penitência. Buscava na mente força
para seguir em frente. Quanto mais tempo levasse, maior seriam as chances de
desidratação e falta de líquidos até o próximo posto.
Quando
iniciei a última subida longa estava exausto e foi preciso caminhar lentamente.
Era hora de aguentar os momentos ruins. Um passo de cada de vez era o objetivo.
Olhava para cima e não conseguia ver o final da subida. Sofria fisicamente e
mentalmente. Não tinha o que fazer senão subir a montanha de areia. E assim fui
até atingir o cume e avistar ao longe o posto de abastecimento. Já não tinha
mais líquidos e aproveitei a descida para voltar a correr e chegar o antes
possível no posto. As pernas estavam “travadas” e a dor aumentava a cada
passada.
A
primeira coisa que fiz ao chegar no penúltimo posto (PAS Desolacion) foi
procurar uma cadeira para sentar. O calor estava consumindo minhas energias. Lá
do alto já era possível avistar o Lago Todos los Santos, onde estava localizada
a largada e chegada da corrida. Daquele ponto ainda tinha aproximadamente 15 km
até o fim da prova. Comi e bebi o máximo de líquidos possível e comecei a longa
descida até a base da montanha.
PAS Desolacion.
Fonte: VUT 2015.
Foram aproximadamente 4 km de descida íngreme. Depois de tanto esforço na areia ao longo do dia, meus joelhos doíam muito e correr se tornou um martírio. Comecei então a alternar corrida com caminha e assim fui até o último posto (PAS Los Alerces), localizado no km 94.
Enchi
minhas garrafas novamente, retirei a areia do tênis e segui em frente rumo à
chegada. Esse trecho final era mais plano alternando subidas e descidas curtas.
Corri alguns quilômetros a beira do lago e a vista era impressionante. Entrei novamente
no bosque para mais alguns quilômetros antes da linha de chegada.
Ao
longe já era possível escutar o som da organização anunciando a chegada dos
atletas. Embora estivesse exausto procurei relaxar um pouco e aproveitar os
últimos quilômetros. Mais uma corrida estava prestes a terminar e a satisfação
de dever cumprido me enchia de orgulho e energias positivas. A trilha no bosque
me conduziu até a praia onde pela primeira vez avistei o pórtico de chegada, a
menos de 500 m.
PAS Los Alerces – Vista do vulcão Osorno.
Fonte: VUT 2015.
Estava muito feliz e emocionado. O pessoal aplaudia e gritava dando aquele incentivo final. Já não faltava mais nada. Nos últimos minutos antes de cruzar a linha de chegada passou um filme na minha cabeça. Todo o sacrifício para chegar até ali. As madrugadas de treino, as dores, as incertezas, o retorno às corridas de montanha depois de dois anos. Foram períodos turbulentos conciliando trabalho, estudos e família. Mas segui firme em busca daquilo que acredito. Em pouco tempo veio tudo a tona e me fez acreditar ainda mais que os sonhos existem para serem perseguidos. Que o tempo somos nós que fazemos e quando realmente queremos alguma coisa, conseguimos.
Depois
de 16h 26min e 6s cruzei a linha de chegada em 15° geral. Fiquei muito feliz
com o resultado e termino o ano de 2015 após realizar duas provas de 100 km em
um intervalo de apenas dois meses. Foram três anos sem participar de
competições. Tive muitas dúvidas sobre como seria esse retorno, mas hoje tenho
a certeza que é apenas um recomeço de muitas outras provas que virão! Para 2016
os desafios serão ainda maiores!
Gostaria
de agradecer a minha família, em especial a minha amada esposa Daniela e minha
filha Luiza que vem me apoiando de maneira incondicional nessas minhas andanças
pelo mundo. A todos os meus amigos que torcem por mim e me ajudam nos treinos
longos. A Freeway Sports, onde juntos desenvolvemos um belo trabalho levando corredores
para participar de competições nos quatro cantos do planeta, com
responsabilidade, foco e total apoio. Orgulho de fazer parte desse time!
Um
forte abraço a todos, boas corridas e um feliz 2016!!!
“Ao infinito e além!”
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